Minha mãe é do tipo que tira leite de pedra. Ela consegue coisas
impressionantes como fazer com que aquela maravilhosa carne assada de domingo,
mas que ninguém aguenta mais ver na frente por se tratar de ser quarta-feira -
e na segunda e terça também ter comido a bendita - virar uma delícia como recheio de
uma panqueca, ou torta, ou bolinho, ou, ou, ou. O repertório dela é bem
variado.
Óbvio que herdei essa habilidade. #soquenao
Eu não sei cozinhar. Na verdade até sei uma coisinha ou outra, mas
não me peça nada aprimorado que não rola. Uma coisa é fritar um ovo, outra é
ser uma chef. Isso eu deixo para a Carol.
Uma das vezes que tentei praticar o dom da minha mãe e
reaproveitar uma sobra para outra coisa foi com um restinho de arroz que tava
rolando na geladeira e ninguém queria comer porque tinha outro novo (antes que
me perguntem o porquê, fiz outro arroz pois não verifiquei que ainda tinha um
pouco na geladeira). A imagem de qualquer coisa comível parando na lata do lixo
parte meu coração. Pensei, nobremente, que seria desperdício jogar comida fora
e que poderia aproveitar a sobra para uma sobremesa.
Pego a panelinha com o restinho, ponho no fogo, jogo leite.
Açúcar. Mais um pouquinho de açúcar. Olho a geladeira, huuummm (pensativa e
fazendo bico), tem um pouco de creme de leite que foi aberto ontem... ok, entra
na dança. E um ovo também. Vou fazer um ‘creme’ de arroz. Olho a despensa. Tem
cacau em pó. Aquele do padre. Vambora. Detalhe: a ‘receita’ surgiu da minha
cabeça.
O arroz com leite e açúcar já tá fervendo. Coloco o cacau em
pó. Não gostei. Mais cacau. Agora a cor tá boa. Quebro o ovo e jogo lá dentro
e... epa! Era para misturar homogeneamente, cacete! Por que eu tô vendo filetes
de gema cozida? Droga! Eu tinha que bater o leite com o ovo açúcar e cacau
antes de jogar no troço quente. Claro que ia virar ‘omelete’. Grrrr. Tá, já
foi. Respira. Não vai ficar ruim por causa disso. Falta... ah, é! O creme de
leite. No negócio fervendo. Não se põe creme de leite em coisa fervendo também.
Talha. Mas mexi e desapareceu.
Ok, tá pronto. Desligo o fogo e deixo esfriar. Esfriou, vou
provar. Como a primeira colherada. Respiro fundo, muito fundo porque depois de
tudo, ao comer sinto gosto de... alho e cebola, temperos de arroz SALGADO. É,
esqueci desse pequeno detalhe. Quis usar arroz temperado com alho para fazer
doce. Pode rir, eu deixo. Meu pensamento: quando mamãe chegar ela resolve,
tenho certeza. Chega mamãe:
- Talita, o que é isso nessa panela?
-Tentativa frustrada de arroz doce, mãe.
- Frustrada por quê?
- Porque usei a sobra de arroz que tava aí.
- Arroz salgado?
- É (cara de cachorro que apronta e sabe que vem bronca).
- ...Talita...
- Tá, mãe, ok. Não precisa falar nada. O que é que dá para fazer
com isso?
(Mãe abre a lata do lixo)
- Isso. (E joga tudo lá dentro).
E no final das contas o que eu não queria jogar fora teve o cruel
destino. Junto com o leite, açúcar, cacau, ovo e creme de leite que, por sinal,
dariam um creme para passar no pão doce que meu pai havia preparado.
Nesta parte já previ o final: "Uma das vezes que tentei praticar o dom da minha mãe e reaproveitar uma sobra para outra coisa foi com um restinho de arroz que tava rolando na geladeira"
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